Capitalização dos Juros x Anatocismo: Diferença e limites de aplicação


Após a edição de MP 1.963-17/2000 é permitida a capitalização dos juros remuneratórios no âmbito dos contratos bancários desde que esta capitalização esteja prevista de forma expressa entre as cláusulas do instrumento contratual.

Autor: Edmilson Galvão      Publicação: 10/10/2020      Atualização: 12/06/2024

Compartilhe:

Capitalização dos Juros

Ouça este post em audio!

--:--

O termo “capitalização de juros” é oriundo da matemática financeira enquanto que o termo “anatocismo” é um termo utilizado no meio jurídico. A expressão “anatocismo” não é encontrada nos livros de matemática financeira sendo comumente utilizada apenas no campo do direito.

É necessário, assim, analisarmosqual é a real relação que existe entre a expressão“capitalização dos juros”e aexpressão “anatocismo”. Isto porque, embora todo tipo de anatocismo implique necessariamente em capitalização dos juros, a recíproca não é verdadeira. Ou seja, nem toda capitalização de juros implica no anatocismo.

Conforme ensinamentos do Prof. Diogo Paredes Leite de Campo [ca. 2000] o anatocismo consiste na capitalização dos juros de um capital, já vencidos e não entregues, com o fim de os fazer produzir juros. Ou seja, só é anatocismo apenas a capitalização dos juros já vencidos, dos juros de mora e não a capitalização dos juros remuneratórios.

Neste ponto vale relembrar que a legislação brasileira, e com isso também o Código Comercial de 1850 que foi o primeiro diploma legal a tratar do tema, foi inspirada nas leis dos países europeus. Ocorre que, na legislação alienígena fica claro que a capitalização de juros vedada é apenas a daqueles juros vencidos e que possuem a natureza moratória, indenizatória. Essa mesma clareza não existe nos textos legais brasileiros.

Cabe aqui transcrever os dispositivos estrangeiros que tratam da vedação ao anatocismo começando pelo Código Civil português com a seguinte redação:

  • Art. 560 - Para que os juros vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização. Só podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano.(sem negritos no original).

No Código Civil italiano encontramos entendimento semelhante:

  • Art. 1282 – Na falta de uso contrário, os juros vencidos só podem produzir juros do dia do pedido judicial, ou por efeito de convenção posterior ao seu vencimento, e sempre que trate de juros devidos pelo menos por 6 meses. (sem negritos no original).

Confira também:


No Código Civil francês que também é comumente conhecido como o Código de Napoleão, considerado pela maioria dos grandes juristas como o pai de todos os códigos, o entendimento caminha neste mesmo sentido:

  • Art. 1154 - Os juros vencidos dos capitais podem produzir juros, quer por um pedido judicial, quer por uma convenção especial, contando que, seja no pedido, seja na convenção, se trate de juros devidos, pelo menos, por um ano inteiro. (sem negritos no original).

Em todos os textos legais transcritos acima e que serviram de inspiração para a criação da legislação nacional fica claro que os juros que não podem ser capitalizados são os juros moratórios e não os juros remuneratórios.

Acontece que a vedação à capitalização de juros contida no artigo 4 ͦ do Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933 que ficou conhecida como Lei da Usura, não especificou qual a natureza dos juros a que se refere, se aos juros remuneratórios ou aos juros moratórios gerando assim a grande confusão que existe atualmente.

Em relação à proibição da capitalização dos juros de mora no Brasil é pacifico o entendimento neste sentido. A única exceção encontra-se disciplinada no artigo 591 do Código Civil de 2002 que permite apenas a capitalização anual dos juros moratórios quando o empréstimo seja destinado à fins econômicos da seguinte forma:

  • Art. 591 – Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.(Sem negritos no original).

Deve-se observar que no Brasil, a prática da capitalização dos juros remuneratórios (não dos juros moratórios que é pratica vedada) ocorre de forma natural e aceita em diversas relações jurídicas. Os dois grandes exemplos são os depósitos de Caderneta de Poupança e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS. Em relação à capitalização dos juros remuneratórios dos depósitos de poupança é consenso de que esta é uma prática perfeitamente legal e aceitável. Esta é a prática de todas as Instituições Financeiras. Neste mesmo sentido caminham os juros aplicados às contas vinculadas ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS já que a própria Lei 8.036/90 que o regulamenta assim prevê de forma expressa a possibilidade da capitalização dos juros remuneratórios em seu artigo 13.

Já em relação aos contratos bancários, segundo os ensinamentos de José Vieira Dutra Sobrinho (2005. Pag.02)que em se tratando de empréstimos ou financiamentos em que a quitação é feita em duas ou mais prestações, iguais ou diferentes, o mundo inteiro adota a técnica de juros compostos ou de capitalização composta. Aponta também este mesmo autor que este é o procedimento que é adotado para todas as modalidades de aplicações periódicas de recursos, como cadernetas de poupança, fundos de investimentos em renda fixa, fundos de previdência e outros.

Ora, como poderia a capitalização dos juros remuneratórios ser aceita em determinados contratos como ocorre com as cadernetas de poupança e no FGTS e em outras relações jurídicas, como as bancárias, a capitalização dos juros remuneratórios serem vedadas?

Aqueles que entendem que a capitalização dos juros remuneratórios é proibida nos contratos de empréstimos e financiamentos bancários defendem que não há contradição entre a proibição naqueles contratos e a capitalização existente nos contratos de depósitos de poupança já que nestes a capitalização se revertem em favor da parte mais fraca que são os clientes da instituição financeira.

Este argumento, entretanto se revela frágil e sem fundamento técnico já que não há determinação legal neste sentido. A técnica de capitalização dos juros remuneratórios é uma pratica aceita mundialmente independente da relação jurídica que esteja sendo aplicada. Os livros de matemática financeira e das ciências das finanças são escritos com base nesta pratica mundialmente aceita, portanto, considerar um entendimento diferente é contrariar e condenar à falta de utilidade os livros de matemática financeira e das ciências financeiras.

Pode-se dizer que toda a discussão relativa à capitalização de juros no Brasil decorre dos contratos de créditos firmados entre as instituições financeiras e os seus clientes. Os contratos bancários podem ser contratos de empréstimos que são chamados de contratos de crédito direto por meio do qual o cliente recebe uma quantia que deverá ser devolvida ao banco em um prazo estipulado acrescida dos juros acertados.

Podem ainda os contratos firmados entre as instituições financeiras e seus clientes terem o objetivo de possibilitar o financiamento para a aquisição de bens. Estes contratos são os chamados contratos de financiamento bancários. Difere dos contratos de empréstimos basicamente pelo fato de que nestes os recursos obtidos com o empréstimo não possuem uma destinação específica enquanto que nos contratos de financiamentos existe tal destinação como, por exemplo, a aquisição de um veículo.

Outra distinção é que geralmente o financiamento possui algum tipo de garantia, como ocorre com alienação fiduciária ou hipotecária.

Existem ainda outros contratos firmados entre os bancos e seus clientes, entretanto, para análise da forma de aplicação dos juros e bem como do tratamento dado pelos tribunais aos contratos bancários, é suficiente a análise apenas dos contratos de empréstimos e de financiamentos tendo em vista que são estes os principais contratos questionados nas ações revisionais.

Tanto os contratos de empréstimos como os contratos de financiamento para aquisição de bens possuem em suas cláusulas a previsão para a cobrança de juros remuneratórios e a cobrança dos juros moratórios. É verdade que algumas instituições trocam a cobrança dos juros moratórios pela cobrança da chamada Comissão de Permanência que também possui a natureza indenizatória tal qual os juros de mora.

Quando se cobra a Comissão de Permanência não é possível cobrar também juros de mora em relação às parcelas em atrasos tendo em vista que este procedimento é vedado pela súmula 472 do STJ:

  • “A cobrança de comissão de permanência – cujo valor não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato – exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa contratual”.

Não se discute mais no meio jurídico acerca da legalidade da capitalização dos juros de mora no âmbito dos contratos bancários. É pacifico o entendimento neste sentido. Em essência, a capitalização dos juros de mora é a verdadeira pratica do anatocismo.

O artigo 591 do Código Civil de 2002 permite, contudo, a capitalização dos juros demora apenas em período superior a um ano, desde que o contrato de mutuo firmado seja destinado a fins econômicos. Assim, no que diz respeito à capitalização dos juros de mora no Brasil está bem delineado no ordenamento jurídico brasileiro a cerca da sua legalidade.

Entretanto, a maior discussão acerca da capitalização nos contratos bancários gira em torno da capitalização dos juros remuneratórios.

O sistema de amortização mais utilizado pelas instituições financeiras para a amortização do capital emprestado é o Sistema de Amortização Francês que é representado pela Tabela Price.

No âmbito jurídico existe muita discussão se este Sistema de Amortização capitaliza ou não os juros. Entretanto, é unanime o entendimento de que a fórmula matemática aplicada para o cálculo das prestações neste sistema possui em sua composição o fator de capitalização representado pela expressão (1+i)n. Assim, para o cálculo das prestações utiliza-se em sua fórmula de cálculo a técnica de juros compostos, ou seja, a técnica de capitalização dos juros remuneratórios.

Desta forma, tendo em vista que as Instituições Financeiras nas relações contratuais de empréstimos e financiamento com seus clientes utilizam o Sistema Francês de Amortização de dívidas para reaver o capital que foi mutuado e dado que para o cálculo das prestações utiliza-se em sua fórmula de cálculo a técnica de composição de juros consequentemente nos contratos bancários desta natureza existe a capitalização dos juros remuneratórios.

A jurisprudência tem caminhado no sentido de que a capitalização dos juros remuneratórios no âmbito dos contratos bancários é permitida desde que expressamente pactuado em contrato privilegiando assim o principio pacta sunt servanda conforme julgados transcritos a seguir:

  • APELAÇÃO CÍVEL. REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. CÓDIGO DO CONSUMIDOR. ADMISSIBILIDADE DA CAPITALIZAÇÃO. JUROS REMUNERATÓRIOS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. NÃO CONTRATADA. Em face da função social do contrato, o Código de Defesa do Consumidorrelativiza o rigor do princípio pacta sunt servanda, afastando abusividade que acarrete desvantagem exagerada ao consumidor perante o fornecedor de serviço ou produto. É possível a capitalização mensal de juros nas cédulas de crédito bancário. A estipulação de juros em patamar superior a 1% ao mês pela instituição financeira não caracteriza abusividade. Não havendo contratação de comissão de permanência, não há que se afastar o que não foi efetivamente exigido. APELAÇÃO. REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. PRELIMINAR RECURSAL. CAPITALIZAÇÃO. JUROS REMUNERATÓRIOS. DESPESAS DE COBRANÇA. - A capitalização mensal dos juros é permitida nos contratos bancários celebrados em data posterior à publicação da MP 1.963-17/2000, desde que pactuada.

Assim, após a edição de MP 1.963-17/2000 é permitida a capitalização dos juros remuneratórios no âmbito dos contratos bancários desde que esta capitalização esteja prevista de forma expressa entre as cláusulas do instrumento contratual.

Confira também:

Escrito por:

Edmilson Galvão

Edmilson Galvão

Advogado | Contador | |

Possui mais de 8 anos de experiência atuando como perito contábil do juízo em varas da Justiça Federal, Estadual e da Justiça do Trabalho além de atuar como consultor em matéria de cálculos judiciais para Escritórios de Advocacia, Empresas e Advogados.

-

Veja Também: