Evolução Histórica da Legislação sobre Aplicação dos juros no Brasil
Código comercial de 1850 representa um marco na história do capitalismo brasileiro. Este código serviu para solidificar a superação do estatuto colonial bem como a consolidação do Estado que se deu a partir de 1824 com a constituição imperial.
Autor: Edmilson Galvão Publicação: 10/10/2020 Atualização: 12/06/2024
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O código comercial de 1850 representa um marco na história do capitalismo brasileiro. Este código serviu para solidificar a superação do estatuto colonial bem como a consolidação do Estado que se deu a partir de 1824 com a constituição imperial. A superação do Brasil colônia proporcionou, de certo modo, uma dinamização e ampliação das atividades econômicas. Em decorrência dessas mudanças se fez necessário a atualização dos instrumentos jurídicos com o objetivo de regular as relações jurídicas que surgiram a partir desta nova realidade.
Diante deste novo cenário econômico de crescimento e expansão surge o Código Comercial de 1850 com o objetivo de atender às necessidades decorrentes desta nova realidade do recém formado Estado brasileiro.
O Código Comercial de 1850 foi o primeiro diploma legal brasileiro a tratar de forma expressa do tema capitalização de juros. A regulamentação da forma de aplicação dos juros ficou prevista no artigo 253 inserido no título relativo ao mútuo e juros mercantil. O artigo possuía a seguinte redação:
- Art. 253 - É proibido contar juros de juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos liquidados em conta corrente de ano a ano. Depois que em juízo se intenta ação contra o devedor, não pode ter lugar a acumulação de capital e juros.
Com base neste dispositivo seria vedada nas relações jurídicas da época a contagem dos juros sobre juros. Pela redação do artigo, embora um pouco confuso, pode-se perceber também que a contagem dos juros sobre juros seria permitida, em caráter excepcional, se o fossem em período superior a um ano. Desta forma, após o lapso temporal de um ano, os juros calculados relativos à este primeiro momento (primeiro ano) poderia ser somado ao valor principal e o resultado deste novo valor poderia gerar novos juros. Após o decurso do segundo ano, os juros calculados relativos ao segundo momento (segundo ano) poderia ser somado também ao valor principal e posteriormente o resultado desta soma ser utilizado como base de cálculo para os novos juros e assim sucessivamente.
Conforme os ensinamentos de José Dutra Vieira (2001, Pag. 8) o conceito de anatocismo contido no artigo 253 do código comercial de 1850 foi inspirado na legislação europeia, entretanto, segundo o citado autor, este artigo foi mal copiado ou mal traduzido tendo em vista que a capitalização de juros vedada pela legislação europeia, conforme será demonstrado adiante, se refere à capitalização dos juros moratórios, ou seja, dos juros cobrados já em uma fase em que o devedor encontra-se inadimplente.
Já o conceito de capitalização de juros previsto no artigo 253 do Código Comercial e que foi transcrito literalmente para o artigo 4 ͦ do Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933 que ficou conhecida como Lei da Usura, não especificou qual a natureza dos juros a que se refere, se aos juros remuneratórios ou se aos juros moratórios gerando, assim, a grande confusão que existe atualmente. Como veremos posteriormente, esta sutil distinção quando bem delineadas possui reflexos que fazem total diferença no entendimento sobre a legalidade da capitalização dos juros no Brasil.
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Afirma alguns autores que toda a celeuma existente atualmente sobre aplicação dos juros capitalizados decorre da redação original inserida no artigo 253 do Código Comercial brasileiro de 1850 que, como já foi ressaltado, foi uma transcrição da legislação internacional que por sua vez não foi feita da forma adequada.
Com a edição do Código Civil de 1916, código este que foi inspirado pelos ideais individualistas e patrimonialistas, o tema relativo à aplicação dos juros passou a ser tratado nos artigos 1062 e 1063. Já o tema relativo à capitalização dos juros nas relações obrigacionais estava regulado no artigo 1262 do código.
Com a edição do Código Civil de 1916 a capitalização dos juros passou a ser possível desde que expressamente prevista contratualmente entre as partes. Assim estava regulada a aplicação dos juros neste diploma legal em estudo:
- Art. 1.062 – A taxa de juros moratórios, quando não foi convencionada será de 6% ao ano.
- Art. 1.063 – Serão também de 6% (seis por cento ao ano) os juros devidos por força de lei ou quando as partes os convencionarem sem taxa estipulada.
- (...)
- Art. 1.262 – É permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis. Estes juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal, com ou sem capitalização.”
No artigo 1.062 do código em estudo os juros moratórios são fixados em 6% (seis) por cento ao ano. Juros moratórios, em linhas gerais, correspondem aos juros que são cobrados em razão da inadimplência do devedor, ou seja, é aquele devido pelo retardamento do adimplemento da obrigação. Cabe observar que o percentual de juros previsto no artigo 1.062 só será aplicado se não houver no contrato firmado entre as partes a previsão de forma expressa do percentual a ser aplicado.
Percebe-se assim que o Código Civil de 1916 regula a taxa de juros com natureza moratória sem estabelecer um teto, um limite legal. Apenas o faz nos casos em que o contrato é silente no assunto. Em outras palavras, caso o contrato faça obrigatória o pagamento dos juros pela mora do devedor, sem estipular nenhuma taxa, estes serão de 6% por cento ao ano.
Deve-se observar que a discussão que envolveu a edição do Código de 1916 bem como a sua publicação se deu em um período com fortes influências das ideias liberais segundo as quais o princípio da autonomia da vontade ganha destaque sendo elevado ao patamar de diretriz norteadora no sentido de orientar os atos da vida civil.
Assim, os liberais pregam a necessidade da não intervenção estatal nas relações econômicas tendo em vista o pressuposto do liberalismo onde as leis do mercado, de forma natural, promovem o equilíbrio econômico e conseqüentemente promoverá também o bem estar social.
Neste sentido o artigo 1262 do Código Civil de 1916 guarda fiel conformidade com as ideias liberais ao estabelecer que os juros possam ser fixados abaixo ou acima da taxa legal, com ou sem capitalização. Ou seja, o que vale é a autonomia da vontade das partes que estão firmando o contrato não devendo o Estado, portanto, se envolver nesta relação contratual.
Em 7 de abril de 1933 foi sancionado pelo então presidente Getúlio Vargas o Decreto Lei n ͦ 22.626 que dispõe sobre os juros nos contratos. Este Decreto Lei ficou e é conhecido até hoje como a Lei da Usura. Este diploma legal é utilizado atualmente por aqueles que defendem a proibição da capitalização de juros como o principal argumento que obsta a capitalização no âmbito, principalmente, dos contratos bancários. De forma irônica ou não podemos fazer uma pequena analogia entre a dita Lei da Usura com a proibição feita na idade média de se emprestar dinheiro a juros.
Foi a partir deste Decreto Lei que também se difundiu a terminologia jurídica “anatocismo” passando, assim, no meio jurídico, este termo ser utilizado de forma mais frequente para se referir a cobrança dos juros sobre juros que corresponde a transformação dos juros em capital. Ocorre que, mais uma vez o dispositivo legal não faz distinção entre os juros remuneratórios e os juros de mora.
Em função da incompatibilidade com o Código Civil de 1916, o artigo 4° do Decreto Lei em estudo revogou o artigo 1262 proibindo a capitalização dos juros com o seguinte texto:
- Art. 4º. É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.
O objetivo da Lei da Usura, neste particular, era ceifar os excessos e abusos praticados na cobrança de juros. Em caráter excepcional admitiu a mesma regra permissiva que já tinha sido estabelecida anteriormente o Código Comercial de 1850 ao possibilitar a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos de conta-corrente ano a ano.
Acontece que em razão da polêmica que tem sido inerente ao próprio tema, a interpretação da Lei da Usura não foi pacífica. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal entendeu no sentido da vedação da capitalização dos juros conforme texto contido na súmula n ͦ 121 que assim dispôs:
- É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.
Conforme nos ensina Teotônio Costa Rezende (2003, Pag.22), o Decreto Lei n ͦ 22.626, mais especificamente o seu artigo 4 ͦ que trata da capitalização dos juros, tem se constituído em um sério entrave à transparência nas operações de crédito imobiliário e elevado os riscos jurídicos a níveis imensuráveis e encarecido o custo do dinheiro. O mencionado autor destaca os seguintes pontos:
Do lado do poupador ou do aplicador, os juros não sacados são imediatamente incorporados ao saldo de seu investimento, passando a gerar juros sobre juros, não se aplicando o disposto no citado artigo 4 ͦ, até mesmo porque, se tal não fosse este procedimento, corretíssimo, diga-se de passagem, os poupadores/investidores, que são entes racionais, a cada mês encerrariam suas contas, acrescidas dos juros daquele período e, ato contínuo, abririam nova conta e, por conseqüência, teriam os mesmos resultados da aplicação dos juros sobre juros;
Do lado dos financiadores, se não fosse lícito incorporar aos saldos devedores os juros vencidos e não pagos, sendo estes também dotados de racionalidade, passariam a fazer empréstimos com prazo de vencimento mensal e os renovariam, mês a mês, devidamente acrescidos dos juros do período imediatamente anterior ou então, mais simples do que isso, verificariam qual a taxa de juros necessária para fazer com que a rentabilidade alcançada fosse igual a desejada, embutindo-se aí, um plus para se garantirem contra riscos de eventuais desvios entre o cenário idealizado e o realizado;
Nas hipóteses de financiamentos com quitação mensal dos juros, que é o caso da maioria dos financiamentos de longo prazo, como por exemplo, as operações de crédito imobiliário, os juros são quitados e não incorporados ao saldo devedor e, 15 portanto, a existência do artigo 4o do Decreto-lei 22.626/33 somente serve para aumentar o ‘custo da ignorância’.
Ao contrário do cenário econômico que influenciou o Código Civil de 1916, a Lei da Usura foi editada e publicada em um momento super delicado da história econômica mundial. A lei em estudo se deu em um período pós-crise econômica decorrente da produção excessiva de bens que o mercado não foi capaz de absorver. Esta crise ficou conhecida como a crise de 1929.
Neste momento saem de cena as ideias liberais, pregadas e propagadas fortemente outrora, e ganham espaço, em razão das mazelas decorrentes da crise de 1929, as ideias difundidas pelo estado de bem estar social em que o Estado deve ficar encarregado da promoção social e da economia devendo intervir e ter uma participação mais ativa nas relações econômicas.
Desta forma, assim como o artigo 1262 do Código Civil de 1916 guardava fiel conformidade com as influências que nortearam a sua edição, a vedação à capitalização dos juros promovida pela Lei da Usura também guarda conformidade com as ideias de seu tempo.
De todo modo, embora a edição do Decreto Lei nͦ 22.626/33 tenha ocorrido há quase um século, o artigo 4º deste diploma legal, como bem observa Teotônio Costa Rezende (2003, Pag. 22), tem gerado desde a sua edição grandes discussões. Como reflexos destas discussões, temos visto, de certo modo, a escassez da oferta de recursos e o encarecimento do dinheiro que por sua vez influencia diretamente no crescimento econômico do país e contribui para uma menor transparência nas relações contratuais.
Em 31 de dezembro de 1964 foi publicada a Lei 4.595/64 que ficou conhecida como a Lei da Reforma Bancária. Esta lei teve por objetivo dispor sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias bem como criar o Conselho Monetário Nacional dentre outras providências. A lei da reforma bancária constitui um importante marco na história do Sistema Financeiro Nacional tendo em vista que até o presente momento não existia no Brasil um banco central.
Assim, os principais objetivos da Reforma Bancária de 1964 foram a criação do Banco Central e a concessão de autonomia das Autoridades Monetárias em relação ao Governo Federal.
No que diz respeito ao tema capitalização de juros a Lei 4.595/64 durante algum tempo cogitou-se a hipótese de que a mencionada lei teria revogado o artigo 4 ͦ da Lei da Usura, entretanto, embora o Supremo Tribunal tenha decidido que a lei n° 4.595/64 derrogou a Lei da Usura no tocante ao limite da taxa de juros para instituições financeiras, conforme entendimento contido na Súmula n° 596, a Lei que promoveu a reforma bancária no país, não derrogara a Lei da Usura no tocante à proibição da capitalização de juros. Este é o entendimento que tem prevalecido.
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Somente seria possível a capitalização quando lei especial a permite, como as leis que disciplinam o crédito rural, crédito industrial e crédito comercial, desde que seja também pactuada de forma expressa no instrumento contratual firmado entre as parte. Nesse sentido se editou a súmula n° 93 do Superior Tribunal de Justiça:
A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros. Podem-se citar o seguinte julgado que resume a posição do Superior Tribunal de Justiça neste tema:
- MÚTUO BANCÁRIO – CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO – TAXA DE JUROS – LIMITAÇÃO – CAPITALIZAÇÃO MENSAL – PROIBIÇÃO – PRECEDENTES. [...] II – A capitalização dos juros somente é permitida nos contratos previstos em lei, entre eles as cédulas e notas de créditos rurais, industriais e comerciais, mas não para o contrato de mútuo bancário. III – Precedentes. IV – Recurso conhecido e provido. [RESP n° 176322/RS, decisão de 23/02/1.999, Relator Ministro Waldemar Zveiter
Assim, é fato não discutido e pacífico que a capitalização de juros, até este momento histórico, continuava proibida pelo Decreto 22.262/33, em seu art. 4º, que não foi revogado pela Lei 4.595/64, ficando excluídos apenas os casos especiais, como o do crédito rural, industrial ou comercial, excepcionados por regras legais derrogadorasda mencionada norma.
Em 30 de março de 2000 foi publicada a Medida Provisória nº 1.963-17 que dispõe sobre a administração, consolidação e atualização dos recursos de caixa do Tesouro Nacional dentre outras providências. Esta medida provisória foi reeditada diversas vezes até se transformar na MP nº 2.170-36 de 23 de agosto de 2001.
Esta medida provisória foi objeto de grandes discussões em torno da sua constitucionalidade à luz do artigo 62 da Constituição Federal de 1988 que dispõe que em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
Para os que entendiam que tal MP era inconstitucional a mesma não atendeu aos requisitos da relevância e urgência exigidos pelo artigo 62 da CF/88.
O artigo 5º da Medida em estudo estabelece que nas operações realizadas pelas instituições do Sistema Financeiro Nacional é possível, sim, a capitalização dos juros mesmo quando esta capitalização ocorra em período menor do que um ano, contrariando, assim, o artigo 4º da Lei da Usura.
Assim dispõe o artigo 5º da Medida Provisiona nº 2.170-36 de 23 de agosto de 2001:
- Art. 5o Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.
- Parágrafo único. Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais.
Após calorosas discussões o plenário do STF decidiu no dia 4, que é legal o art. 5º da MP 2.170-36/01, que prevê a possibilidade de capitalização de juros em períodos inferiores a um ano. Entretanto, no julgamento, não foi discutido a possibilidade de haver capitalização de juros nas operações inferiores a um ano, mas sim se os requisitos de relevância e urgência, necessários a edição das MPs, estavam presentes no momento da edição do ato normativo.
Desta forma, embora o STF tenha declarado a legalidade do artigo 5º da MP em estudo que estabelece a possibilidade de capitalização dos juros nas operações realizadas pelas instituições do Sistema Financeiro Nacional em período inferior a um ano, o fez a partir de uma ótica da constitucionalidade da MP sem enfrentar, contudo o tema da legalidade da capitalização em si.
Escrito por:
Possui mais de 8 anos de experiência atuando como perito contábil do juízo em varas da Justiça Federal, Estadual e da Justiça do Trabalho além de atuar como consultor em matéria de cálculos judiciais para Escritórios de Advocacia, Empresas e Advogados.